Entrou no carro e saiu dirigindo sem rumo. Assim, de súbito. Sem falar nada pra ninguém. Se é que ele tinha a quem comunicar.
Era janeiro. Comecinho do mês. Todas aquelas promessas de ano novo o tiravam do sério. Promessas alheias, pois ele não acreditava nessas coisas. E, a essa altura ele fazia questão de ignorar o calendário.
Força nenhuma o seguraria ali, naquele lugar, naquela mesma casa com aquela decoração, aqueles quadros.
Ele se resumia em uma palavra: agonia. Não possuía a receita para aliviá-la mas acreditava no poder do vento batendo no rosto enquanto dirigia em alta velocidade. A janela aberta e uns 110 ou 120 quilômetros eram suficientes.
5 horas da manhã. A rodovia estava deserta a uma hora daquelas. Sabia que o movimento aumentaria logo mais, com as pessoas se dirigindo a praia. Fazia muito calor.
Tentava enganar-se, achando que não tinha um rumo certo, que apenas estava pegando um ar enquanto andava de carro. Seus movimentos iam na direção do aeroporto. Ele querendo ou não. Evittando ou não. Lá no fundo ele torcia para que nao fosse tarde demais.
As boas novas não podiam ser boatos. Ela estaria de volta, sim. A dúvida era se ela havia voltado pra ele, por causa dele. Não queria lembrar o esquecido. Queria uma página em branco e os dois como personagens principais daquela história que só eles poderiam colocar um ponto final.
Mal podia acreditar que dali alguns instantes ela estaria novamente perto dela, que ele a veria novamente. Não conseguiu conter o riso amedrontado
Tinha noção de que sua saudade havia transformado-se em fixaxão. Quase doentia. Com tanta gente pelas ruas, nenhuma fazia diferença. Todas passaram a ser indiferentes, quase invisíveis.
Não, não poderia acabar assim. Um carimbo no passaporte não seria capaz de por fim em tudo o que tinham construido. Uma fortaleza.
A cada metro que se aproximava do aeroporto ficava mais atormentado.
Não preocupou-se com a aparência. Desceu do carro com a camisa amassada e o cabelo bagunçado. Um milhão de pessoas ali não seriam suficientes para que ele as notasse. O aeroporto parecia vazio aos seus olhos. Que procuravam por ela. E por mais ninguém.
Então surge ela, puxando sua mala de rodinhas. Do mesmo jeitinho tímido, o mesmo corte de cabelo, a mesma sombra no sorriso. Um sorriso só para ele, e mais ninguém.
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Tive a (infeliz) ideia de escrever um texto com inspiração nos Engenheiros do Hawaai, ou melhor, nas músicas deles. Em meio a um repertório tão extenso como escolher algumas músicas que pudessem resultar num texto?
Resolvi então escolher três pessoas conhecidas minhas e super fãs da banda. Entrei num site de letras de músicas, que para minha sorte estão enumeradas, e pedi que essas pessoas escolhessem dois números cada uma. Usei esses números pra selecionar as músicas. A aleatoriedade e a numeração do site, mais as escolhas dessas pessoas resultaram na inspiração bruta do texto.
Prefiro não revelar o nome das seis canções. Algumas estão bem perceptíves, principalmente pra quem curte a banda e conhece as letras.
Gostei do texto e não sou capaz de identificar as músicas (mesmo porque, ainda criança, criei uma certa aversão a Engenheiros, culpa de umas reuniões de família na casa de uma tia-avó chata em que sempre tocava aquele CD, mas até gosto de umas duas músicas deles), mas só vim dizer que de "Entrou no carro e saiu..." até "110 ou 120 quilômetros eram suficiente" eu me arrepiei, de verdade, porque foi exatamente o que eu fiz há três dias (para não mentir, devo dizer que a única diferença é que eu não me permito mais do que 80km/h ainda). No começo, eu poderia jurar que você ia contar a minha história! Que bom que não contou, ela anda bem sem graça, rs... Mas eu também estava buscando inspiração.
ResponderExcluir"Ele se resumia em uma palavra: agonia."
Ótimo texto, como sempre!
ResponderExcluirContinue escrevendo!
Abraço!
www.segundadose.com
Como já te disse, é um dos teus textos que eu mais gostei...não sei bem se foi pelo modo de escrever, pela alusão aos Engenheiros do Hawaii ou pela história do tal cara que esperava uma tal garota que voltava de longe em janeiro...foi impossível não me identificar com esse texto.
ResponderExcluirMuito bom, valeu o trabalho viu \o