quarta-feira, 27 de novembro de 2013

sofá

Estupidamente sentada no meu sofá foi tudo o que fiz e sonhei durante todo o tempo que estive nessa cidade. Se eu fosse um objeto, seria este sofá. Ele é feio e alaranjado, mas passei tanto tempo dele, tem tanta coisa minha em cima dele, que ele bem me representa.
Aqui eu sonhei com dias melhores, estudei tantas coisas sem sentido, tanto papéis e bundas e lágrimas passaram por aqui. Aqui me dei conta, tantas vezes, da mediocridade em que eu me encontrava, da medíocre solidão, regrada a auto depreciação por que otimismo foi algo que nunca acreditei. Me fodi tanto que essa palavra até perdeu o significado pra mim.
Aqui sonhei em ser alguém na vida, em ter um lugar no mundo. Reclamei do salto da vizinha, fiz várias refeições. Virei café, dormi e passei mal também.
Eu tocaria fogo nesse sofá.
Agora estou, novamente, num desses momentos de mediocridade, em que eu poderia estar fazendo qualquer coisa – lendo um livro, assistindo alguma coisa, estudando. Mas nem musica estou ouvindo. Não estou fazendo absolutamente nada. Talvez essa seja uma das definições para a expressão “viajando” que os jovens gostam tanto de usar.
Sou uma viagem. Uma bad trip, talvez.
A cada dia, me reconheço mais, e isso é bom. Apesar das incertezas, me reconheço. Apesar da solidão também, que parece não ter fim, parece realmente fazer parte de mim. Até me identifico.
Mas uma pessoa não passou por aqui. Não conhece esse sofá, e talvez não mais me conheça, ou não me reconheça. Pois é, você. 

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Descasado

Ele era desses fumantes não assumidos. Gostava de um cigarro quando estava bêbado em alguma festa, ou quando muito ansioso. Naquele momento, nenhuma dessas justificativas servia para explicar a fumaça que subia ao céu, e que antes passava pelas narinas arrebitadas de alguém que não tem mais tanto fôlego.
As luzes da sala estavam todas acessas, e enquanto ele fumava observava os carros que chegavam ao condomínio. Havia varias luzes acesas no prédio da frente. Escutou gritos de gol e ficou pensando se seriam da Copa do Brasil ou do Campeonato Brasileiro. Quarta é dia de futebol.
Na metade do cigarro ela chega e o abraça por trás, fechando os braços na barriga saliente dele, que agora preguiçoso e atarefado não ligava mais para o peso corporal. Ele não reagiu ao afeto, apenas abaixou a cabeça e continuou fumando.
- Não dá mais pra mim, ele disse.
Vira-se de frente para ela, que sorri e não entende o que ele está querendo dizer.
- Não consigo. Não dá mais.
- Você está me assustando..
- Não posso casar contigo.
.
Enquanto ele colocava algumas peças de roupa na mochila, ela chorava desesperadamente sentada no chão da sala.
- Vou para a casa da minha mãe hoje. Depois não sei. Talvez eu vá embora.
- Não acredito no que está acontecendo. Tais ficando maluco?
Ele novamente abaixa a cabeça, confere se o isqueiro está no bolso da calça e sai sem bater a porta. A única certeza que ele tinha no momento é de que não voltaria mais àquele apartamento.
Saiu caminhando pela rua, a noite estava bem nublada e não dava para ver nenhuma estrela. Pegou o celular e procurou um contato na agenda. Há quanto tempo aquele número estava salvo ali? Sem hesitar, apertou no botão “ligar” e ouviu somente a gravação: “este número não existe”.