segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Nunca tem ninguém conhecido no ônibus ao lado

Ela pegava o mesmo ônibus todos os dias, no mesmo ponto, não na mesma hora, pois ele se atrasava de vez em quando - o trânsito podia transforma-se no caos a qualquer hora do dia. E, como em todos os outros dias a esperança vinha com o ônibus.
Sempre sonhou com uma vida melhor, um emprego mais bem remunerado, uma reforma na casa, roupas mais bonitas. Mas não era do tipo que reclamava, ao contrário, contentava-se com o que tinha e fazia questão de agradecer a Deus todos os dias.
Estava usando botas bem fechadas, por cima da calça chegando até metade da canela. E também um lenço no pescoço xadrez afim de proteger o pescoço. Qualquer ventinho era suficiente para fazer sua garganta doer. Nos lábios, baton rosa claro, a cor da moda.
Não necessitava de boas vestes e de assessórios para designar o seu trabalho, mas sempre procurava arrumar-se, de uma maneira não muito chamativa. Gostava de uma boa aparência.
165. O ônibus vinha apressadamente cortando o horizonte.
Vai até a beira da calçada e faz sinal com a mão para que o ônibus pare.
Quando ele se aproxima, passa por cima de uma poça d’água, acumulada pela chuva da noite anterior, e a respinga. Nas pernas.
Por sorte não havia barro mas agora sua calça e suas botas estavam molhadas.
Não podia mais sentir o seu cheiro, de banho tomado com sabonete de erva doce, sentia apenas o odor da água da poça. Por menor que fosse o cheiro.
Estava com raiva, e com vergonha. O motorista nem pra pedir desculpas. “Essas coisas só acontecem comigo!” resmungava durante o trajeto. “Maldita poça.”
A luz amarela pisca e o vermelho dominador faz com que os carros, e os ônibus, parem do semáforo.
Ela olha pela janela e vê um ônibus aproximar-se do seu para também parar. “Nunca vejo ninguém conhecido parado no ônibus do lado” pensou com seus botões.
De repente alguém no outro ônibus abana, dá tchau com a mão. Também sorria. Parecia olhar na sua direção, já que o seu ônibus não estava muito cheio e as pessoas dali não pareciam olhar naquela direção.
Olha novamente e vê o abano, incessante. E um sorriso daquele de mostrar todos os dentes. “Será que é pra mim?”
Chega a vez do verde e o ônibus acelera.Ela levanta-se, puxa a cordinha pois era chegada a hora de saltar.
Desce do ônibus sem olhar pros lados. Sem saber o motivo, queria evitar aquele ônibus que estava ao lado.
Caminha alguns passos na rua quando depara-se com um bilhete colado num poste: ‘bom dia, água do dia.”

3 comentários:

  1. Já falei né, adorei!
    Tu tem que escrever um livro Mari, ou uma coletânea de crônicas pelo menos, não dá pra ler teus textos e não ficar com vontade de mais :P

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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