domingo, 25 de abril de 2010

Indiferente

Lembrou que estava vivo ao ouvir seus próprios passos enquanto descia as escadas.
Vivia da rotina, dos dias perfeitamente calculados. O destino não lhe dava trégua, fazia tudo acontecer do mesmo jeito –como o programado- todos os dias. Nenhum incidente, mudança repentina. Nem susto tomava.
Era sexta-feira. O dia acordara nublado, com cara de ressaca. Ao sair de casa, um gato preto cruzou seu caminho.Perdera a fé em praticamente tudo, portanto não existia sorte ou azar, muito menos superstição. Apenas um gato preto. Poderia ter sido qualquer outro animal.
Não tinha relacionamentos. Falava apenas o necessário com os colegas de trabalho. Os vizinhos não sabiam seu nome.
Sem revoltas, comoção ou apego. Não se questionava. Vivia no modo “automático”.
Sabia que hoje não é ontem pois todos os dias arrancava a folhinha do calendário que ficava em cima de sua mesa no trabalho. Era a primeira coisa que fazia ao chegar. Assim, não se perdia no tempo. Ontem era nove e hoje é dez. Os dias tinham apenas diferença numérica.
Extravagância era algo desconhecido.
Caminhava pelas prateleiras do supermercado, que, aliás, havia decorado o lugar dos produtos. Sempre comprava os mesmos. Deparou-se com a sessão das bebidas. Não conhecia o gosto de nenhuma. Sem experiências alcoólicas, como escolher uma adequada?
Sentou-se no sofá de casa e começou a beber o vinho quente. As pernas começaram a amolecer, o rosto ficava cada vez mais rosado. Surgiram pensamentos delirantes, escabrosos. A ficção dos pensamentos misturava-se com a acomodação daquela vida, daquela casa. Olhava seus móveis e objetos. Os livros devidamente alinhados na estante, as almofadas arrumadas uma a uma no sofá. E pensamentos soltos, confusos, delirantes.
Quem eram aquelas pessoas? Como surgiram? Estavam ali mesmo ou era seu passado trazendo nostalgia?
Acordou com os raios de sol que entravam pela janela. Dormira no sofá. A garrafa vazia, caída no chão.
Sem noção das horas, de qual dia era. Precisava sair pro trabalho?
Não sabia quem era.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

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A vírgula perguntou ao ponto se ele não cansava de ser final. Ele, sorridente, disse que poderia ser também exclamação(!), causar dúvida(?) ou ser um trigêmeo subentendido(...)
Não satisfeita, ela se dizia mais feliz - prolongava o que era bom, separava o desnecessário, e não dava fim a ninguém.
O ponto disse que depois do fim logo vinha um recomeço, como num ciclo.
Para contentar a todos, o ponto se juntou a vírgula(;), tendo que, para isso, dar as devidas explicações!